Jardim
"Have you ever felt like you were lost somewhere really dark? Then, you find out that that place is actually yourself?"
Meus olhos estão abertos. Meu corpo está deitado no chão, um chão muito flexível e movediço, ou assim me parece. Eu não sei onde estou, ou onde eu deveria estar. Entretanto, eu não tenho pressa. Não posso ver nada no lugar onde deveria estar o céu. Ao invés, tudo o que eu vejo são vinhas espinhosas se desenrolando em convulsão, como um teto sobre mim.
Som de água fluindo ao longe. Uma calma toma conta de mim, como se eu fosse um ser completo, ou uma espécie de imortal. Inspiro o ar, mas não o sinto. Apenas algo molhado me vem às narinas, como água. Só então é que eu percebo: estou imerso em água. Ou pelo menos algo líquido. Não sinto falta de ar. É como se o ar fosse líquido, na verdade, entrando pelo nariz e invadindo os pulmões. E a sensação que vem disso não é nada além de confortável.
...Onde eu estou?
Assim que imagino a questão, as vinhas que formavam o teto voam na minha direção, penetrando o líquido onde estava mergulhado e me agarrando. Sinto os espinhos perfurarem minha pele, e vejo sangue vazar, mas não sinto dor alguma. Cravados nos meus braços e torso, os vinhedos erguem-me além do nível da água, e, olhando para baixo, vejo que não era tão profundo assim. Vinhas se movem do fundo, e vêm me abraçar as pernas, e os espinhos me picam mais uma vez. Suspenso pelos vinhedos, eu observo meu plasma esguichar, manchando assim o líquido que, aos poucos, vai se tornando vermelho, até se tornar o meu sangue.
Maravilhado pela visão do meu próprio sangue jorrando, eu ergo meus olhos e posso finalmente visualizar o lugar onde estou: vinhas e espinhos. Ao meu redor, embaixo e acima de mim, erguendo-se do, agora, lago de sangue e elevando-se aos céus e cobrindo-o. Escuro, mas, de alguma forma, visível. As vinhas que me seguram firme rolam pelo meu corpo, perfurando-o e extraindo mais de mim, e parecem querer me levar a algum lugar.
...Estranho. Então, é essa a sensação que os pássaros têm?
Ouço um bater de asas. Virando a cabeça de leve, posso ver um lindo pássaro branco erguendo suas grandes asas, voando livremente pelo espaço. Tem uma calda longa, formada por três penas únicas, terminando um tom de rosa. É uma visão espetacular, e sorrio automaticamente. Nesse instante, as vinhas atacam ferozmente a pobre ave, envolvendo-a. O sangue escarlate cai e junta-se ao lago abaixo, enquanto as vinhas formam um amontoado nervoso ao redor do inocente. Posso ouvir um grito da mais pura agonia e dor, juntamente com o som dos ligamentos, ossos e tendões da ave serem estraçalhados pelo remexer das vinhas, enquanto o resto de sangue dele escorre lentamente. Em seguida, vários botões surgem dali e florescem em rosas tão negras quanto a escuridão que toma conta do lugar.
A beleza daquelas flores é tão incomum, que quase me esqueço que o desafortunado passarinho fora brutalmente assassinado para gerá-las. Desejo ter uma daquelas, e logo os vinhedos me guiam na sua direção, até que eu possa me aproximar e tomar uma daquelas rosas para mim. Seu perfume é intoxicante, e tão irresistível. Eu não me sinto mal pelo pássaro, e nem acho isso estranho.
Com a rosa já em mãos, sou levado em uma nova direção. No caminho eu vejo estátuas de anjos e de demônios, todas encobertas pelas vinhas espinhosas. Apenas as asas das estátuas mantêm-se intactas. Ao passar meus olhos por ali, rosas negras desabrocham lentamente.
...É como se sorrissem para me satisfazer.
Nesse instante, como em resposta, as vinhas que me envolvem me apertam com mais força, fazendo com que eu perca mais sangue, e eu percebo que devo considerar isso sua resposta. Eu estranho o fato de não sentir dor alguma em efeito disso.
Depois de algum tempo, eu chego a uma espécie de altar com um trono de espinhos. As vinhas me agarram e me forçam a sentar ali, e eu perco ainda mais plasma. Mesmo sentado naquele trono, os vinhedos não me soltam. A visão que tenho é um tanto assustadora. Observo mais e mais amontoados de vinhas e ouço gritos de agonia e dor, enquanto o lago de sangue aumenta.
"...um jardim de demônios que se alimentam da vida, hein?"
Um sorriso me vem à boca...
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i.i Escreve demais. Morro de inveja.
ResponderExcluir-a
q-
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